Fé, Esperança e Crença em Deus: Um Breve Resumo de uma Entrevista com Elizabeth Jackson

Acrizio Souza
7 min readAug 16, 2021

Elizabeth Jackson é uma filósofa que em breve (assim espero), terá mais leitores e ouvintes aqui no Brasil.

Em uma entrevista feita no Eudaimonia Junction[1], ela inicia comentando sobre como surgiu seu interesse em filosofia, e depois, seu interesse em epistemologia e em filosofia da religião.

Porém, é a partir dessa introdução que sua entrevista fica mais interessante.

Logo em seguida, Liz resume seu trabalho e posicionamento acerca do dualismo crença/convicção; onde, para ela, as pessoas possuem, de maneira geral, ambos os elementos. Crenças, define ela, permitem as pessoas o tomar uma posição e o ter uma visão de mundo. Entretanto, as pessoas também possuem, geralmente, evidências a favor e contrárias às coisas em que creem; e é aí onde as convicções entram. As convicções rastreiam o nível preciso de evidência. Um exemplo que ela dá, é o de uma previsão que, em dado momento, prevê uma chance de 90% do dia seguinte ser ensolarado, porém que mais tarde reduz a chance a 80%. Nesse caso, a convicção cai de 0.9 para 0.8. Evidências, assim, moveriam nossas convicções em algo ao longo do espectro (ainda que nem sempre seja necessário mudar de crença quando as convicções caem de, por exemplo, 0.9 para 0.8). Um último exemplo oferecido por ela é o da suspeição de um irmão de que ele cometera um assassinato. Mesmo que as evidências em favor disso sejam variadas, porém, inconclusivas, pode-se diminuir suas convicções acerca de sua inocência, porém não necessariamente precisa abandonar a crença de que ele é inocente.
No final dessa parte, Liz alega que acredita que esse dualismo crença/convicção é importante pois fornece um modelo de como podemos manter nossos compromissos epistêmicos e permanecer firmes em nossas crenças, mesmo quando nossas convicções são sopradas pelos ventos de contra-evidências. Isso ajuda especialmente cristãos a como manterem sua fé firme à luz de contra-evidências, sem ignorá-las ou menosprezá-las.

Liz, depois, faz uma distinção entre argumentos evidenciais e argumentos pragmáticos para a crença em Deus, onde os primeiros são definidos como sendo aqueles que fornecem evidências de que Deus existe, concluindo que Deus existe ou aumentando a probabilidade de Deus existir (argumentos Ontológicos; Cosmológicos e de Ajuste-Fino), e os últimos são definidos como aqueles que focam nos benefícios práticos ou morais da crença em Deus. Tais argumentos, conclui ela, levam à conclusão de que se deve crer em Deus (sendo dois tipos de argumentos pragmáticos a Aposta de Pascal e a Aposta Jamesiana).

Em seguida, Liz resume um dos argumentos pragmáticos para a existência de Deus: a Aposta de Pascal. O raciocínio por detrás de tal aposta se dá mais ou menos do seguinte modo: se Deus existe e eu acredito em Deus, eu irei para o Ceu, o que é algo infinitamente bom. Se Deus existe e eu não acredito em Deus, eu posso ir para o Inferno, o que é algo infinitamente ruim. Se Deus não existe, então independente da minha crença ou descrença em Deus, o que vier a ganhar ou perder será simplesmente algo finito. Portanto, eu deveria crer em Deus.

Liz responde imediatamente a objeção de “qual deus?” levantada por alguns, alegando que, se houver bons motivos para levar determinada religião ou credo a sério, então essa religião ou credo deve ser comparada com a descrença em Deus. Além disso, na Aposta de Pascal, probabilidade é algo que importa, mesmo quando se está lidando com valores infinitos. Se há um grande porcentual de chance de que uma dada religião seja verdadeira em comparação a um pequeno porcentual de que outra religião seja verdadeira, a opção mais racional a se tomar é apostar na religião com maior porcentual de ser verdadeira. Na Aposta de Pascal, então, o resultado é que deve se apostar na religião que tem maior probabilidade de ser verdadeira. Apostar na religião mais provável dá à pessoa maiores chances de se obter um bem infinito (além de, claro, fornecer um modo de se escolher entre religiões e credos).

Liz, então, se volta ao Problema do Mal, inicialmente dando uma definição geral do que se trata (se há um Deus onibenevolente, esse Deus quereria evitar o mal. E se Deus é onipotente, Deus evitaria o mal. Porém, claramente, o mal existe. Portanto, é incerto saber do porque Deus permitir que o mal exista no mundo, especialmente males que parecem sem sentido).

Em seguida, ela lista seis possíveis respostas existentes ao Problema do Mal: em primeiro lugar, a Defesa do livre Arbítrio, apresentada por Alvin Plantinga, que diz que Deus permite que nós façamos escolhas genuínas, mas moralmente significantes, e que tais escolhas requerem a habilidade de se fazer o bem e de fazer o mal. Uma segunda possível resposta é a “Soul-Making Theodicy”, de John Hick, que diz que males são necessários para que as pessoas tenham crescimento espiritual que culminará em uma preparação para a comunhão com Deus. Uma terceira opção é a Teodiceia das Leis Naturais, de Peter van Inwagen, que alega que o mundo é governado por Leis Naturais que são necessárias para que os seres humanos sejam capazes de tomar decisões e agirem de forma previsível, e que às vezes esses eventos de causas naturais ferem seres humanos, mas o mal que essas feridas geram é sobreposto pelo valor de se viver em um mundo com Leis previsíveis da natureza. Uma quarta resposta é o Teísmo Cético, que diz nós podemos não saber todas as razões que Deus tem para permitir o mal no mundo, mas que isso não significa que Deus não as tenha. Uma quinta opção é a Teodiceia da Feliz Falha, de Plantinga, que alega que o pecado e o mal são necessariamente os bens cristãos da encarnação e da expiação, e que esses bens sobrepõem a maldade do mal e do pecado. Por fim, uma última resposta seria a própria encarnação de Jesus, onde Jesus ter sofrido no corpo possibilitou com que tivéssemos conforto ao passarmos por momentos difíceis. Liz diz preferir uma abordagem cumulativa, pois cada uma dessas abordagens pode permitir respostas a problemas enfrentados por outras.

Depois, Liz Jackson faz uma distinção dos termos “”; “esperança” e “crença”, seguido de como esses três termos se relacionam entre si.
Liz define crença como a atitude de tomar algo como verdadeiro ou considerá-lo verdadeiro. Crença, assim, é algo primariamente sensível aos fatores de evidência e verdade. Contudo, uma crença não requer desejo.

Fé, ao contrário de crença, exige o elemento desejo. O elemento fé, ainda assim, exige uma certa quantia de evidência.

Por último, esperança, ao contrário da fé, pode ser assumida e mantida por alguém mesmo que determinado objeto de esperança seja falso. A esperança de que determinada proposição seja verdadeira apenas requer que tal proposição seja possível.

Liz ilustra a relação entre fé, crença e esperança com o exemplo de alguém que tem um piquenique marcado para uma quinta-feira. Esta pessoa checou a previsão do tempo com uma semana de antecedência e viu que havia apenas 5% de chover no dia do piquenique. Essa pessoa, então, acreditava que na quinta-feira em que ocorreria o piquenique o dia estaria ensolarado.
Essa mesma pessoa checou poucos dias depois a previsão do tempo e viu que a chance de chuva havia aumentado para 40%. Essa pessoa, então, passou a ter que no dia marcado para o piquenique não choveria.
Agora, suponha que a mesma previsão do tempo mudasse a chance de chuva para 95%. A pessoa do exemplo não mais poderia ter fé de que fará sol no dia do piquenique (pois provavelmente choverá na quinta-feira), mas, poderia ter esperança de sol. Ainda que a chuva seja provável, ela não é garantida no exemplo, e a pessoa, no caso, mantém um forte desejo para que o dia seja ensolarado.
No exemplo citado, a pessoa moveu da crença para fé, e da fé para a esperança, conforme a contra-evidência para sua crença foi aumentando.

Liz cita que essa relação entre crença, fé e esperança se dá, também, no comprometimento de alguém para com Deus. Uma pessoa pode começar tendo a crença em Deus, entrar em contato com contra-evidências, passar para fé em Deus, entrar em contato com mais contra-evidências, e ir para a esperança em Deus. Essas três atitudes, entretanto, podem racionalizar ou fundamentar um compromisso religioso.

Encaminhando para o final da entrevista, Liz explica sua posição acerca da discussão sobre discordância em debates. Ela cita as duas principais escolas (Conciliationists — pessoas que acreditam que nossas opiniões devam mudar ao encontrarmos discordância entre pares e Steadfasters — pessoas que alegam que nossas opiniões não devem mudar ao encontrarmos discordâncias entre pares) e explica acredita que as pessoas devem mudar as convicções, mas não as crenças ao se encontrar com discordantes. Uma pessoa pode, assim, seguir acreditando em dada teoria ou posicionamento, mesmo que as convicções nela sejam algo em torno de 0.5.

Ao fim da entrevista, Liz comentou algumas situações de falhas e fracassos em sua vida acadêmica, e que lições ela pode tirar deles para aprimorar sua carreira estudantil e profissional, e quais aspirações ela tem como uma filósofa, onde, de maneira geral, ela pretende ser alguém conhecida no meio acadêmico e no meio popular, influenciando pessoas em geral a se interessarem por filosofia, por pensar criticamente e pela racionalidade da crença em Deus.

Elizabeth Jackson é, sem dúvidas, alguém cujo trabalho deve ser analisado por quem se interessa por filosofia.

[1] Link da entrevista: https://jimmyalfonsolicon.substack.com/p/faith-hope-and-belief-in-god-an-interview

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